Projeto Teatro Nômade

28/03/2021

De locais de passagem, passando por ringues de luta política até chegar aos palcos de seus próprios atores, a rua é um mesmo local para as mais diversas questões. Localidade de luta e de presença, de acordo com Victor Hugo, ela é o cordão umbilical que liga o indivíduo à sociedade, e esta corda tem diversas maneiras para deixar de ser vazia e se tornar encantada - termo que remonta à obra de Luiz Antonio Simas - e neste caso aqui relatado, ela é encantada por nômades.

Mas quem seriam esses nômades?

Insatisfeitos com injustiças da cidade, o Projeto Teatro Nômade e seus integrantes têm uma maneira diferente de se relacionar com a rua. Dotados de experiências que vão do cômico ao trágico, da mais fantasiosa história repleta de críticas às problemáticas locais até aos ensaios com intervenções de moradores do local ou de cachorros, esses andarilhos tem como consequência de suas ações o encantamento desse espaço tão imenso que é a rua e a tomada de assalto da atenção dos cidadãos desta cidade.

Antes de chegarem à rua, este grupo, aqui apresentado, tinha uma residência, uma sala repleta de livros, localizada dentro de um campus perto do local de fundação da cidade. No entanto, após anos tendo lá como morada, sua jornada naquele espaço foi finalizada por forças maiores. É interessante relatar que eles foram para a rua antes mesmo de sair de sua antiga casa, uma vez que inúmeras vezes ao chegarem para ensaiar foram pegos de surpresa com a porta trancada, sendo obrigados, assim, a procurar locais alternativos para a sua prática teatral.

Com o fim do projeto que formou sua origem, era necessário buscar um novo espaço para que suas atividades acontecessem, mas a procura estava sendo difícil. Era realmente complicado achar um local que abrigasse aquele grupo de nômades para o horário que eles podiam. Então a proposta veio: por que não a rua?

E as consequências dessa escolha pode ser compilada em uma frase relatada por uma das integrantes mais antigas do grupo.


- Só que uma vez na rua, a gente não sentiu mais vontade de sair de lá.


A rua era seu ambiente macro, mas, de maneira mais específica, o local de escolha para suas ações foi naquela praça, perto de sua antiga casa. Um local grande, protegido, com inúmeros espaços a serem utilizados que iam desde os aparelhos de academia da terceira idade, passando pelos brinquedos infantis até chegar ao redondo, um tablado de concreto no meio da praça.


E foi nesse momento que eles se entenderam nômades. Eles, naquele espaço, compreenderam que seu nomadismo não estava atrelado a apropriação daquele espaço, mas sim sua modificação a partir do uso. Com isso, aquele local, que poderia ser uma simples praça, foi encantada a partir do uso por esses nômades, tornando-a não só em uma sala de aula, como também em um teatro dos mais fantásticos existentes.


Ao lembrar de Luiz Antonio Simas, que em sua obra "O Corpo Encantado das Ruas" trata da mudança dos espaços urbanos, que de territórios se tornam terreiros a partir da ação de diversas práticas de grupos subalternizados, o Projeto Teatro Nômade, ao chegar na Praça General Leandro, se entendeu como fantásticos; encantadores. Até porque, aquele espaço ali poderia ser um mero local de passagem, com eles ali, toda a praça ganhou um dos elementos mais importantes que os espaços urbanos podem ganhar: vida.

No entanto, como apresenta um dito clichê, nem tudo são flores. A chegada deles à rua foi em 2017, e no ano seguinte, 2018, quando aquilo que alguns chamam de presidente estava chegando ao poder, o grupo sentiu o impacto. O espaço que eles tinham como casa não estava mais tão receptivo. Olhares estranhos e vigias mais recorrentes foram percebidos por eles. Talvez o ápice tenha sido uma senhora, vestida de roupa de ginástica, que passava por lá e que, ao ver a professora e seus alunos, os contestaram dizendo que:

- Isso não é um teatro!

Assim, após inúmeras situações incômodas para aquele grupo, foi necessário mudar-se outra vez.

Outras praças se tornaram lugares para eles, como o Parque Guinle e a Praça Nossa Senhora da Paz, ambos os locais com uma área extensa e com os prédios mais distantes, o que diferia do primeiro espaço público ocupado por eles, que tinha os edifícios completamente encostados ao parque. O interessante é que eles sentiram mais essa diferença de geografia e disposição de obras quando eles voltaram a Botafogo.

- Parece que eu estou incomodando os moradores.

E é nesse ponto que eles montam um debate: quais são os acordos coletivos para o uso dos espaços públicos, uma vez que todos deveriam ter o direito ao uso dos equipamentos que a cidade provêm? Mediar todas as partes que utilizam a rua, as praças, os parques é realmente um dever complicado, mas para os nossos nômades essas reflexões são algo de extrema relevância em suas ações.

Assim, ter que lidar com o incômodo gerado pela presença de olhares dos vigias policiais de pessoas mal intencionadas que desrespeitam o fazer cultural, com as intervenções em suas aulas e montagens; firmar acordos com outros cidadãos, somado ao fato de que sua ação intervêm no cotidiano das pessoas faz com que esses nossos colegas não sejam apenas nômades encantadores, mas também guerreiros. Guerreiros em que seu campo de batalha são as ruas, as praças, os espaços públicos que a nossa cidade carrega consigo. Mas de que uma coisa nós temos certeza: no final o êxito será deles e a rua de todos nós.

Relatos: Tais Reis

Fotos: @projetoteatronomade

Texto: Gabriele Reis @gabspsr;
Rodrigo Solon @rodrigo_solon

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