Prédio-Vivo
O mais incrível é que o "Prédio da Caixa" estava ali havia quase 60 anos. E há décadas que este edifício modernista, no meio da Av. Amaral Peixoto, sofria transformações, apropriações, estigmatizações e processos outros que vivificam e personificam uma mera estrutura urbana. A história que contaremos hoje é a história da Lorena, mas também de diversos outros moradores deste prédio-vivo. É uma história de intimidade com o lugar, mas também uma história trágica, recorrente. O prédio, depois de diversas alterações em suas funções, foi se esvaziando. E ao passo em que se esvaía em funcionalidades, os apartamentos passaram a ser ocupados. Estamos falando, não simplesmente de um prédio, nem de uma história, mas de vidas. Vidas inteiras, histórias diversas e construções coletivas no prédio. Havia pessoas que o ocupavam há 8, 10, 20, 30 anos. Tem quem nasceu no "Prédio da Caixa", tem quem teve filho naquele prédio, vidas inteiras. O barato da cidade é que ela é feita por gente que age, reage. E assim são os prédios. Uma estrutura de concreto, ferro, uma engenharia que permite com que vidas simultâneas se co-construam. Lorena, que nos contou essa história, vivia há 4 anos no prédio com a sua mãe. E pontuou:
- Eram 48 horas para desocupar o prédio, e não tinha aluguel social, não tinha elevador, não tinha energia, e assim... é a nossa casa, né. Bizarro.
Infelizmente, uns ainda estão. E com ainda mais pesar, quando alguns foram removidos de seu prédio-vida, perderam também a sua vida.
Era uma moradora muito querida, era uma lutadora, que cozinhava para seus companheiros na ocupação e para pessoas em situação de rua. Ao ter o aluguel social indeferido, Sueli passou a viver em situação de rua. No início deste ano, foi encontrada morta na Av. Amaral Peixoto, próximo ao prédio-vivo, na calçada. Uma senhora, morta por pneumonia, na rua, após perder seu lar.
-Tão construindo um prédio da Justiça Federal ali do lado, e muita gente já se incomodava com o "Prédio da Caixa" (...), e as pessoas queriam tirar aquele bando de pobre dali, já incomodavam. A meu ver é uma população desassistida, vulnerável, mas simplesmente queriam tirar da Amaral Peixoto, não deram nenhuma solução. Ficou tudo muito incerto, a população do "Prédio da Caixa" é uma população esquecida, que não foi ouvida, e que não foi dada nenhuma outra opção de moradia.
Lorena é um desses sujeitos que seguram a barra, não só dela e de sua mãe, mas de muitos. Na correria dos dias pós-remoção, se colocou como mulher forte, geógrafa, que corre atrás da garantia do direito à cidade aos que co-habitavam o seu prédio-vivo. Foram noites dormindo e pulando entre quadras, sede de partido. Muitos hoje vivem em um casarão ocupado, em condições insalubres. O casarão não tem água corrente, luz elétrica e há ratos que passam entre aqueles que o habitam. Imaginem crianças, idosos, recém-nascido nessa situação. Não é uma casa muito engraçada, mas um não-lugar, com as feridas de quem o ocupou. E isto é uma parte, visto que a outra ainda se encontra na rua.
Atualmente o prédio continua lacrado, sem perspectiva de reabertura, porque com a pandemia tudo ficou atravancado. Os moradores, hoje, estão esperando a pandemia terminar para conseguirem o acesso ao prédio. E essa é uma das histórias de como uma cidade-máquina, com projetos-monstro, desapropriam, removem, deformam. A história do "Prédio da Caixa", que removeu seus moradores por uma suposta insalubridade e necessidade de obras que, comprovadamente, poderiam ter sido realizadas com seus moradores dentro. A comunidade do prédio-vivo, com força, cooperação e determinação grita: Prédio da Caixa Vive! Sueli Vive!