LabJaca

14/05/2021

Uma ideia. Uma necessidade. Uma inquietação. Uma proposta. Um sopro de vida. Um projeto. LabJaca. É assim que começamos a contar um pouco da embrionária história do projeto LabJaca - um laboratório de dados, informações e pesquisas, que tem seu coração localizado no Complexo do Jacarezinho, de lá correndo as veias por todo o sistema, na Zona Norte do Rio de Janeiro idealizado. Composto inicialmente por um grupo de 7 moradores do Jacarezinho e de outras favelas do Rio, tem como objetivo evidenciar realidades silenciadas, suprimidas e marginalizadas dos favelados, dos jovens, negros e negras, e de toda uma comunidade, tornando-as narrativas principais, com sua devida e necessária importância, e muito mais. O início desse enredo é escrito antes da pandemia, a partir da existência de outras iniciativas no Jacarezinho, que acabaram desmembrando na constituição e face do projeto.


O laboratório começa antes mesmo de sua idealização, através de uma demanda por cestas básicas durante o surto de COVID-19 na região. A ideia inicial seria de distribuição dessas cestas para atender às necessidades dos moradores. Nas palavras de Seimour Souza, cientista político, participante e um dos idealizadores da proposta, o Lab "foi um desmembramento do LabJaca contra o corona, a partir da colaboração entre três organizações anteriores". Seriam elas o NICA (Núcleo Independente Comunitário do Aprendizado) - um cursinho de pré-vestibular e de alfabetização na Favela do Jacarezinho; o Jacaré Facilitador - espaço de cursos de formalização para jovens e adultos; e o Jacaré Basquete - uma iniciativa de esporte na comunidade. Por meio da junção dessas três iniciativas é fundado o LabJaca, "um movimento, uma ação". Seimour conta que a campanha de arrecadação teve um alcance de mais de 3000 famílias, as quais receberam diversos kits, como cesta básica, kit de higiene e outros. Segundo ele, a partir desse momento, surge uma inquietação no grupo de jovens envolvidos com aquela iniciativa, quando perceberam que os dados da prefeitura, acerca dos casos e mortes pela COVID-19, não condiziam com a realidade vista, vivida e sentida por eles. Essa inquietação foi a energia de ativação para o projeto sair do imaginário do grupo. Seu início se deu por meio da indagação e coleta de informação por meio de formulários entregues aos moradores para que se compreendesse como o coronavírus estava impactando o cotidiano do Jacarezinho. Na medida em que as respostas chegavam, os jovens perceberam que algo deveria ser feito com aqueles dados e respostas recebidas. Bom, é aí que entra a idealização do LabJaca e sua efetiva ação.


Como dito, o Lab buscou demonstrar aquilo que verdadeiramente se passava na comunidade. Mas, não para por aí. Mais que somente compreender o que de fato acontecia em meio à pandemia, a ideia do grupo era maior e passava por construir, nos dizeres de Seimour, "uma narrativa que desse lugar e que desse ouvido e voz [...] para aqueles (lugar e comunidade) que foram sempre invisibilizados". Nesse sentido, inicia-se um processo, uma luta, em busca de potencializar declarações que não são contadas pela grande mídia e pelos órgãos oficiais. Ele continua: "essa inquietação nossa, essa inquietação constante, enquanto jovens negros que estão em espaços historicamente negados, [...] fez com que a gente se juntasse e construísse o LabJaca." Para ele, a oportunidade de estar numa universidade deve ser aproveitada e algum tipo de retorno deve ser gerado, de forma muito mais acessível, àqueles que de fato o ajudaram a chegar ali, e mantêm "aquele espaço" - o Jacarezinho.


É evidente que as histórias contadas sobre a comunidade carregam um discurso passado e retrógrado de associação da pobreza à violência e, sendo assim, Mariana Galdino, graduanda em Direito pela Uerj, "cria" da Cidade de Deus, na favela da Zona Oeste do Rio de Janeiro, constituinte do grupo, dentre os idealizadores do projeto e atualmente coordenadora de operações do laboratório, diz que "(o LabJaca) tem esse caráter fundamental que é poder pensar a nossa vivência de um olhar também positivo". Quando indagada acerca das metas traçadas pelo grupo e o que se buscava, ela é direta: "o nosso nome é objetivo na medida em que, quando é lido, já entende-se o que se busca e o que é feito." Seimour complementa e nos informa acerca de uma "democratização dos dados", o "fazer com que aquele diálogo feito naquele espaço universitário [...] fosse mais democrático." Tal fato é possível, segundo ele, a partir da "democratização da fala", uma linguagem de mais fácil entendimento. Ele prossegue dizendo: "as pessoas falavam da importância, por exemplo, da universidade chegar nas periferias, nas favelas, da gente voltar para a base, mas a gente nunca saiu dela, a gente nunca esteve em outro lugar que não fosse a base." Isso, por sua vez, segundo Seimour, faz com que eles entendam "a importância de aprender e levar para aqueles que lutaram tanto pra que a gente (o grupo) tivesse nesse espaço." É nessa medida e a partir dessa fala que começamos a entender que o LabJaca não constrói narrativas, e sim, busca potencializar, direcionar o holofote e visibilizar, através das redes (por eles construídas e administradas) as histórias que já estão acontecendo, estando somente suprimidas e jogadas para escanteio. Vale a analogia porque o escanteio deve ser cobrado e a bola tem que entrar em jogo.

Ao serem perguntados sobre a relação dos moradores com o projeto, ambos são muito carinhosos em suas falas. Mariana nos informa que "a recepção foi muito positiva" e completa dizendo: "o Jacarezinho é uma favela muito receptiva, muito acolhedora." Em sua exposição deixa muito evidente que o trabalho é direcionado à população da favela e à realidade por eles vivida. Ela explica que isso acontece "porque nós também somos moradores de outras favelas e de outras periferias da cidade", inserindo-se num "olhar de identificação". Em meio a tudo isso, segundo ela, tentou-se a todo momento, no processo, buscar a criação de relações, vínculos com a comunidade e com outras organizações também engajadas nas dinâmicas da periferia em todos os setores. É nesse sentido que entra um importante ponto do projeto. Ao serem perguntados sobre aquele espaço, as territorialidades ali expressas e suas relações com a iniciativa, ambos nos informam que a preocupação ou uma das preocupações iniciais do grupo era a de reproduzir metodologias e desenvolvimentos feitos no Jacarezinho também em outras comunidades do Rio de Janeiro, construindo uma rede extremamente ampla e com muito a crescer, que transbordasse espacialmente. Segundo Seimour, o papel do Lab seria o de criar metodologias replicáveis através do desenvolvimento, fortalecimento, crescimento e expansão de suas redes, alcançando, assim, indiretamente, outros territórios, produzindo, em suas palavras, "uma pesquisa de viés científico e também popular". Existe, assim, o vínculo territorial com o Jacarezinho, mas o LabJaca não é o ponto de chegada, e sim o de partida, se localizando no Jaca, mas não pertencendo a ele, segundo Seimour.


Apesar de ser um projeto tão novo, o LabJaca já desenvolveu uma imensidão de projetos, em quantidade, importância e relevância, não só para as comunidades, mas também para quem acompanha o projeto - como uma websérie que trouxe as narrativas e falas usualmente silenciadas e suprimidas, colocando a margem no centro das discussões, das demandas e das pautas; e o painel unificado da COVID-19 nas favelas do Rio de Janeiro, a qual trouxe o levantamento de dados do coronavírus nas áreas periféricas. Quando indagados sobre estarem ou não satisfeitos com o que desenvolveram até aqui, nos contam que mesmo com o lado financeiro ainda em desenvolvimento, valendo-se dizer que ninguém recebe por estar inserido no projeto, o qual é voluntário, bastante já se fez. Mariana diz: "acredito que nós estamos caminhando [...], com muito orgulho." O ensejo que possibilitou o projeto não foi dos melhores, e a presença do grupo foi necessária "pela ausência do Estado", "momento marcante na história de todos ali envolvidos", a qual segue até hoje, segundo ela. Para Seimour: "oito, nove meses é muito pouco para o que a gente produziu e tem produzido." Ele segue: "(é) muito importante que [...] a gente esteja nessas frentes." Toda essa inquietação gerada neles fez com que fossem construídas "coisas tão potentes", ele finaliza. A frase que resume o LabJaca nessa explanação é muito em tão pouco tempo.


Por fim, quando perguntados sobre as expectativas futuras ao LabJaca, a coletâneade potências ali vistas é algo incomparável, único, essencial e emocionante. Seimourespera "[...] um futuro com menos desigualdade, um futuro em que a gente possa aprender com os nossos erros, mas acima de tudo que o LabJaca possa continuar sendo aquilo que ele se propôs." Assim sendo, um projeto constituído por jovens negros e negras, periféricos e favelados que acreditaram nos sonhos, na possibilidade de sonhar e de constituir um amanhã melhor, segundo ele. Um dos desejos expressos por Mariana e Seimour é de que eles sejam somente a primeira geração do laboratório. Para ambos - expressando a visão de todo o grupo constituinte do Lab - o projeto não é deles, "é nosso", por meio do desenvolvimento de um senso de coletividade que os move e molda. Mariana, após a fala de Seimour, diz: "que a gente possa continuar fazendo com esse gás e cada vez mais com o reconhecimento e a valorização (do projeto)." e complementa: "que a gente consiga caminhar sempre com o nosso propósito do nosso lado." Em suma, costurando-se algo tão grande, podemos dizer que o Lab é uma iniciativa essencial, potente, vigorosa e com muito pela frente. Portanto, "vida longa ao LabJaca".

Relatos: Seimour Souza (@seimour_) e Mariana Galdino (@eugaldino)
Fotos: Labjaca (@labjaca) e Jaca contra o Corona (@jacacontraocorona)
Texto: Larice Gomes (@laricegoms) e Lucas Barreto (@barretinhofernandes)

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